quinta-feira, 20 de maio de 2010

Perto do fogo



Sabe quando sua vida parece uma montanha-russa non-stop? Pois é, estou numa dessas fases. Passa, como tudo, mas às vezes é difícil parar de fazer, fazer, fazer e... olhar.

Outro dia cheguei na casa dos meus pais exausta. Fazia frio. Eu tinha fome. Meu pai, que é uruguaio profissional (o que significa que ele assa e come um boi por semana), disse: "vou preparar algo para você beliscar".

Isso significa pegar restos de madeira, a maioria deles encontrados por ele mesmo pelas ruas do bairro (dizem que o tipo de madeira afeta, inclusive, o gosto da carne); colocar vários pedaços já cortados no lado esquerdo da parrilla (como chamamos as churrasqueiras lá embaixo, no rio da Plata) e basicamente atear fogo com um pedaço de jornal bem grande enroladinho e já queimando estilo tocha olímpica.

Pronto, em dois minutos eu tinha uma fogueira linda queimando para mim e um delicioso bife de picanha a caminho.

Num país onde existem 3 milhões de habitantes e 10 milhões de vacas, é difícil propagar o discurso do quão ecologicamente incorreto e cruel é comer carne. Não dá. Eu mesma reduzi bastante o consumo, já que tenho um marido totalmente solidário com os animais e que a cada dia me lembra, com razão, o quão brutal é comê-los.

Mas o fato é que aquele dia eu precisava daquela picanha muiiitooo mal passada. Em pouco tempo, enquanto a fogueira ficava cada vez maior e alaranjada, abrimos um vinho, e começamos a lembrar as antigas histórias da família.

Ele lembrou de como meu tio Pepe foi perseguido por franquistas e republicanos durante a guerra civil espanhola, e porque, como era um herói sem nenhum caráter, que mudava de lado conforme um lado ou outro avançava, passou meses morando embaixo do comedouro de um chiqueiro de porcos porque estava jurado de morte de ambos os lados. E de como depois virou um dos maiores mulherengos de Montevidéu dirigindo uma ambulância, com um amor em cada hospital.

Relembramos do outro tio que foi pros Estados Unidos atrás de mulher, passou pela Venezuela e, sem um tostão no bolso, veio de "contrabando" num navio para Montevidéu. Beberrão incurável, mesmo sob marcação cerrada conseguia ficar bêbado durante o dia trabalhando na confeitaria do meu avô. Ninguém conseguia descobrir o mistério, já que lá não havia álcool, até que um dia descobriram que ele estava contrabandeando doses homeopáticas do rum que era injetado nas bombinhas de creme...

Eu lembrei de como minha avó Paca até pouco tempo carregava todos os dias a lenha que ia para a lareira esquentar a casa durante todo o dia no inverno, e como de noite a festa era sentar-se em frente do fogo, de onde saíam histórias alegres e tristes, jantares incríveis de legumes, peixes e carnes que ardiam sob uma pequena grelha e as blusas úmidas terminavam de secar.

E então, entre uma história e outra, a madeira foi queimando, o bife ficando suculento, o vinho esquentando o corpo e o papo esquentando a alma. E assim o tempo parou. E assim tudo ficou, de repente, normal. E assim tudo voltou, simplesmente, a ser.

Imagem: Ernest von Rosen, http://www.amgmedia/.

Um comentário:

  1. belo momento para pensarmos "que se danem as vacas", vamos comê-las mal passadas.
    bjs

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